“É super importante as pessoas conhecerem a história da cultura hip-hop, mesmo achando que não tem nada a ver com elas. Porque, principalmente pras pessoas que moram em grandes centros urbanos, essa cultura já está inserida no dia-a-dia delas, na formação delas, e elas não sabem que nasceram dentro do hip-hop.” (Mônika Bernardes dançarina, coreógrafa, artista-educadora, representante da cultura hip-hop há 30 anos)
No dia 04 de março, o dia foi de Hip-Hop no PJMC, com a realização de três experiências estético-pedagógicas em diferentes espaços da cidade, celebrando os 50 anos desse movimento cultural que transcende a música e se manifesta em diversas formas de expressão artística. As formações contaram com a participação de profissionais renomados da cena na cidade, contemplando os quatro elementos do hip hop: DJs, MCs, grafiteiros e dançarinos compartilharam seus conhecimentos, experiências e também proporcionaram atividades práticas dentro de suas áreas.
Saiba mais sobre como foi cada atividade e leia os incríveis depoimentos que JMCs e formadoras deixaram sobre esse dia abaixo!
Centro de Referência de Dança da Cidade de São Paulo – Elemento Dança: Breakdance
No CRD, a formação “Breakdance e suas variações: de onde vem e para onde vamos?” celebrou a energia desse elemento e trouxe reflexões comoventes para o grupo. A experiência foi guiada por Danilo Nonato, dançarino e arte-educador, e Mônika Bernardes, coreógrafa e uma das precursoras da dança Locking no Brasil.
“A gente fez uma cronologia desde lá de fora até chegar no Brasil e como que isso tudo refletiu na nossa história. Como que a gente pode seguir a partir das dinâmicas da cidade.” (Danilo Nonato)
“Foi muito gratificante estar aqui hoje e olhar pra caras de jovens que nem eu. Jovens de quebrada, artistas de quebrada, que nem eu sou. Dar uma formação pra gente que é a minha gente, só tenho a agradecer pelo dia de hoje. Essa formação é sobre pertencimento, pra falar: já é de vocês, só pega.” (Mônika Bernardes)
“Sou cria de políticas públicas e de formações como essa. E encontrar a Mônika aqui hoje… ela foi a minha referência quando eu comecei do zero. E a gente poder estar se complementando, falando da história do hip hop, que tá há cinquenta anos ativo, transformando muitas vidas das pontas da cidade. Que nos deu autoestima, nos deu possibilidade, nos deu trabalho, nos deu a palavra e o poder se colocar. Poder cruzar as nossas histórias com a cultura hip hop e partilhar com essa galera da formação, que tá entendendo como se articular na cidade, nos equipamentos e com o que vai vir pela frente, é muito gratificante.” (Danilo Nonato)
“O que vocês fizeram aqui, eu ficaria horas, dias ouvindo. Pra mim, não pareceu nem uma formação, pareceu uma conversa que eu ficaria horas ouvindo. Foi uma honra ter vocês aqui, um prazer. Eu queria muito ter isso de novo, foi muito valioso.” (Daniela Cañón, JMC continuísta da Biblioteca Nuto Santanna)
“A gente estar falando de hip hop, que é esse movimento de resistência, artístico, riquíssimo e estar compartilhando este momento com vocês, enquanto corpos pretos, que tão fazendo isso e vivendo isso, vivendo essa história de resistência de forma tão real, é transcendental pra gente porque, nesse lugar, a gente vê uma vitória gigantesca, que é a sua vivência ter chegado até a minha vivência. E de outras pessoas mais novas. Eu tenho 28, mas tem uma galera aqui que tem vinte, 21, e que tá vivenciando isso junto com você, e é gente preta, da quebrada, e viver isso aqui é muito rico, trazer a nossa musicalidade, a nossa realidade, é uma grande riqueza.” (Nego Lias – JMC continuísta no Centro Cultural Olido)
“Acho que o mais importante desse processo é o letramento racial. Os processos trazidos por vocês refletem muito isso. Eu me senti contemplada. Virem duas pessoas pretas neste lugar, fazer uma formação, tendo um protagonismo dentro do programa, dentro do espaço público, isso é muito vitorioso pra gente. Isso nos fortalece, nós que somos jovens monitores, a ocupar mais esses espaços – e num lugar assim, de protagonista.” (Negoh Piauí, ingressante teatro Arthur Azevedo)
“O que que é popular, o que que é legal? A cultura preta. O preto, não. Eu não tô falando que vocês devem seguir o mesmo caminho que eu, porque eu estou desempregada aos 53 anos de idade. Não é um caminho fácil. Eu sou muito otimista, mas a realidade é essa, eu não sei como vou pagar minhas contas neste mês.” (Mônika Bernardes)
“Pra gente, faltou orientação. E a gente tá vivendo agora a possibilidade de um momento cíclico de cuidado. Eu e a Mônika somos de gerações diferentes. A geração dela me passou elementos a partir do que ela pode construir e receber – e essa geração me alimentou, eu tive acesso a políticas públicas que a geração dela construiu pra eu poder usufruir pra eu poder continuar esse trabalho agora com a galera que tá chegando. Então, quem sofreu lá atrás, quem tá sofrendo um pouco menos e quem tá chegando, a ideia é não ter que passar pelas dores que a gente passou, e poder avançar mais.” (Danilo Nonato)
Foi uma formação que tocou a todas as pessoas presentes profundamente e o fato dela ter ocorrido no dia do aniversário do formador Danilo deu ainda mais brilho ao momento, que terminou com todo mundo cantando parabéns e se abraçando.
Casa de Cultura Hip-Hop Sul – Elemento Desenho: Graffiti
Na Casa de Cultura Hip-Hop Sul, quem deu a letra foram as formadoras Soberana Ziza, pesquisadora afrofuturista e artista urbana há 18 anos, Abla Kauã, ilustrador e grafiteiro transmasculino, e Nath Apuanã, artiste não-binárie confundadore do selo Breq Culture.
“Este lugar pra mim tá sendo de muito afeto principalmente por ter feito parte da primeira equipe do Jovem Monitor, da equipe modelo deste programa. É muito bacana entender que um dia eu fiz parte, e que hoje eu tô aqui colaborando com a formação desses jovens monitores.” (Soberana Ziza)
Depois de assistir a um minidocumentário que contava a história da casa de cultura, JMCs aprenderam sobre a história e evolução do graffiti, uma ferramenta de expressão e mobilização social na vida urbana e uma das expressões visuais mais marcantes do hip-hop.
“É importante trazer o graffiti como formação porque a maioria dos jovens monitores culturais são artísticos de alguma forma, seja no graffiti em si, na dança, são diversas formas. E, querendo ou não, isso aproxima a gente cada vez mais e é um assunto que a gente vai conseguir conversar e vai ter essa familiarização. Tô me sentindo muito representada, não só pelo graffiti em si, que é a minha área, mas por ter uma mina preta, por ter uma pessoa não-binária. Isso tá sendo bastante importante e eu realmente não esperava que isso fosse acontecer com tanta facilidade.” (Dara, JMC da CC Chico Science)
“Tá sendo muito incrível ter contato com três corpos dissidentes, uma mulher preta, um corpo não-binário e um transmasculino, trazendo uma linha do tempo do graffiti pensando esses lugares de representação e de como é importante ter essa aula com esses três corpos. Como é rico ter acesso a esses três corpos dissidentes trazendo um outro lugar, um outro viés disso tudo. Viver uma formação mais artística faz com que todo mundo se sinta mais contemplado e mais a vontade. Tá todo mundo felizinho.” (Marcele Selva, JMC ingressante no Centro de Culturas Negras)
“As referências que a gente trabalha dentro da nossa atividade são figuras de importância de mulheres que constroem o hip hop, de corpos trans que constroem o hip hop, que não têm a mesma projeção, não têm a mesma visibilidade que os corpos cis masculinos têm. A ideia é que a gente resgate essas vivências, essas histórias que foram abafadas – e é através disso que a gente vai construindo uma nova era, um novo momento, uma nova geração do hip hop, junto com os mais velhos que vieram antes, com as mais velhas que vieram antes. Com o enaltecimento desses outros corpos dissidentes que também já estavam lá desde o seu início. A minha intenção é que a gente construa uma geração de hip hop que seja mais igualitária, que a gente permaneça com a paz, o amor e a união.” (Nath Apuanã)
“A gente trouxe um pouco da perspectiva do hip hop ser uma cultura antirracista e antissexista. O que a gente traz são histórias contadas a partir de pessoas que não sejam homem cis, pra entender que mulheres cis e corpos trans sempre fizeram parte dessa construção. Principalmente, corpos pretos e indígenas. E essa formação é pra isso, pra que as pessoas compreendam o que é a cultura hip-hop, o que a gente precisa fazer pra que ela continue se destacando, e representando quem somos na rua. Pra que a gente não tenha medo de mostrar quem somos, medo das nossas lutas, de botar nossa cara a tapa e ir lá e fazer acontecer.” (Abla Kauã)
“O graffiti é, sim, democrático. Ele é um lugar onde a gente pode compartilhar nossas dores, compartilhar o que a gente também acredita e utilizando das ruas, que é uma plataforma pública, democrática. Nela, a gente consegue se conectar e aprender – é um lugar pedagógico. A rua, ela é o caminho.” (Soberana Ziza)
À tarde, rolou uma vivência prática, e JMCs puderam aprender a fazer letras no estilo “bubble” do graffiti em pequenos papéis para, na sequência, tentarem a sorte no papel kraft e em camisetas – e algumas pessoas eternizaram a passagem por lá, deixando suas artes estampadas nas paredes e chão da Casa de Cultura.
Centro Cultural da Penha – Elemento Música: DJ e MC
No Centro Cultural da Penha, a formação foi comandada pelo dançarino, professor e arte-educador DJ Rodz, e pelo poeta, pesquisadore e cantore MC Guayana.
Eu também já participei e participo de formações e programas da Secretaria Municipal de Cultura, que me enriqueceram tanto na parte da arte-educação e produção cultural, como quanto artiste também, então foi muito daora estar aqui como formadore. Estou muito feliz com essa troca, ainda mais falando sobre 50 anos de hip-hop e 40 anos de hip-hop no Brasil.
Formadore MC Guayana
Na primeira parte do dia, jovens brincaram e experimentaram técnicas diferentes na mesa de som – alteração de BPM, mapping, scratch, etc. – além de debaterem sobre a história da cultura sound system, desde a sua origem na Jamaica. Na companhia e sabedoria de DJ Rodz, também aprenderam que, mais do que qualquer técnica, a intuição é a melhor guia de qualquer DJ. Durante a tarde, o exercício foi de composição coletiva: divididos em grupos, JMCs compuseram quatro linhas de rimas para apresentar no palco do auditório, explorando os conceitos e dicas trazidos por Guayana.
Nós jovens tivemos a experiência de ser DJ e MC por um dia, alguns estavam mais avançados, outros menos, mas os formadores tiveram todo o cuidado para introduzir a gente nas atividades. Foi uma experiência muito legal, gostaria de ter várias vezes!
Ashley Angel, JMC do Núcleo de Engenharia e Arquitetura
Mais do que eventos formativos, as experiências foram espaços de encontro, troca e aprendizados. O hip-hop é um movimento em constante evolução, que continua a inspirar e ser inspirado pela juventude em todo o mundo, se debruçando sobre a arte como um meio de reivindicação, protesto e plataforma para povos marginalizados. Hoje, se reinventa questionando comportamentos anacrônicos do movimento:
“Compreendemos que há um machismo muito violento dentro da cena hip hop e a gente precisa olhar pra ele. Então, a gente tentou protagonizar mais as diferentes formas de mulheridade que sempre estiveram na cena, mas que sempre foram apagadas também. Então, como é que a gente reflete essas histórias? E ninguém mais, ninguém menos do que a Mônika pra poder trazer todo esse lugar e esse legado.” (Danilo Nonato)
“Ninguém me contou, eu tava lá.” (Mônika Bernardes)
As experiências estético pedagógicas são ações formativas que oferecem vivências artístico pedagógicas em diferentes áreas e dimensões culturais, e são oferecidas no último mês de cada trimestre do programa.