Por Laíza Castanhari
“Linguagens Periféricas” foi o tema da formação teórica dos Jovens Monitores Culturais continuístas desta semana, realizada virtualmente no dia 5 de dezembro. A formação foi ministrada por Raquel Almeida, poeta, arte-educadora, produtora cultural e co-fundadora do coletivo literário Elo da Corrente, grupo que atua no movimento de literatura periférica e negra no bairro de Pirituba, em São Paulo, realizando sarau e mantendo uma biblioteca comunitária.
Raquel discorreu sobre as mais variadas manifestações culturais da periferia, como literatura, saraus, slams, audiovisual, hip hop, entre outras. Ela explica como tais expressões são capazes de reorganizar a identidade periférica, revelando suas potencialidades.
“Não é só miséria. Parece que o sistema fica o tempo todo querendo esfregar na nossa cara qual é a nossa realidade. A gente precisa criar outras perspectivas, senão as crianças vão crescer pensando que é só isso. Sarau, música, slam… qualquer coisa que nos tire dessa perspectiva de derrota”, diz Raquel.
Literatura periférica
Com bagagem em literatura periférica, a formadora se aprofundou nessa linguagem. Ela chama a atenção para a importância da periferia escrever por ela mesma, sem intermediários. “O termo [literatura periférica] começou a ganhar relevância no começo dos anos 2000 com a revista Caros Amigos, que começou a publicar autores periféricos. Na época, falávamos em literatura marginal”, recorda Raquel.
Ela explica que é uma categoria que conta histórias sob a perspectiva territorial, mas pode envolver temas variados. “Eu vou escrever sobre mim, sobre meu contexto: isso se tornou literatura periférica, mas não necessariamente falamos só da periferia.”
Uma das maiores referências da literatura periférica é Carolina Maria de Jesus, cuja obra mais conhecida é Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada. Raquel usa o exemplo da autora para falar sobre preconceito que autores periféricos enfrentam: “Quando ela [Maria Carolina de Jesus] começou a ser procurada como objeto de pesquisa era com cunho sociológico, e não literário, como se a narrativa dela ofuscasse a produção literária dela”, explica.
Saraus e slams
Raquel analisa que a literatura é um pretexto para que coletivos se formem nas periferias, trazendo outras manifestações como os saraus: um bar, um microfone e várias pessoas reunidas para falar seus poemas. Um exemplo é o Cooperifa, no bairro de Piraporinha, idealizado em 2001 pelo poeta Sérgio Vaz.
Alice Santiago é Jovem Monitora Cultural e participou da formação. Ela compartilha: “Que bom falar da Cooperifa! Lembro na época da escola, eu estudava em uma escola pública perto da Piraporinha e meu professor de educação física chegou saltitante porque tinha conseguido lançar um livro de poesia pela Cooperifa, com ajuda do Sérgio Vaz. Na época eu não sabia o que era, depois entendi a importância disso. Eu tenho muito afeto pela Cooperifa.”
Os saraus abriram portas para os slams, que Raquel analisa que, atualmente, é o boom literário das periferias. “E o que vem depois dos slams? Como estamos deixando esse território para as juventudes?”, questiona.
Ingrid Menezes Avancini, agente de formação do PJMC, relata sua intimidade com essas manifestações: “Eu ia para todos os saraus e slams que eu conseguia acompanhar. Meu processo formativo vem, sim, da formação periférica, quando os saraus estouraram nas periferias. É muito importante o reconhecimento dos artistas vivos, aqueles que a gente consegue sentar no bar, trocar uma ideia, saber como ele se constrói e a partir disso construir seu caminho”, diz Ingrid.
A formação teve horário para acabar, mas Raquel poderia ficar por mais horas falando sobre linguagens periféricas, já que referências não faltam. Como ela mesma analisa: “culturalmente, a gente não deve nada a ninguém. Ao contrário, qualquer política pública que surge para nos fomentar é pouco, porque ainda nos devem muito. Com mais verba seria muito melhor, mas a gente sempre existiu e resistiu.”